
A
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos e o Movimento Nacional
dos Direitos Humanos
Considerando
os últimos acontecimentos em torno do julgamento de Eldorado dos Carajás,
vêm a público fazer os seguintes esclarecimentos:
I
– Quem é a SDDH e qual a sua relação com o processo de Eldorado dos
Carajás
Fundada
em 08 de agosto de 1977, a SDDH – Sociedade Paraense de Defesa dos
Direitos Humanos, organização não governamental sem fins lucrativos e
filiada ao Movimento Nacional de Direitos Humanos, conta hoje com 25 anos de existência, estando entre as associações civis mais
antigas do Brasil na luta pelas liberdades democráticas, prevalência
dos direitos humanos e justiça social. Iniciou suas atividades na
ditadura militar, quando os direitos civis e políticos sofriam uma dura
castração, e bens como a vida, a liberdade, a integridade física,
pouco ou quase nada significavam.
Nesse
contexto, enquanto instituição, alimentou-se dos sonhos dos voluntários
e da ajuda humanitária internacional; aprendeu a escrever em 1979
editando o jornal alternativo “RESISTÊNCIA
– resistir é o primeiro passo”- prêmio ESSO de jornalismo. E
resistiu, com a perseverança de quem nunca descreu neste País. Teve
dois ex-presidentes assassinados - Paulo Fontelles e Jaime Teixeira -
seus membros foram presos, sua gráfica incendiada e bancas de revista
que vendiam seu jornal sofreram atentados a bomba. Acompanhou de forma
ativa as principais lutas da sociedade brasileira nesse período. Atuou
e atua na área urbana denunciando a violência policial e apurando a
responsabilidade em crimes de grave violações dos direitos humanos; na
área rural, se dedicou à luta pela reforma agrária oferecendo
assessoria jurídico-política na violenta região sudeste do Pará,
onde mantém um núcleo em Marabá desde 1986.
Dedicada
com vigor no combate a impunidade no Pará e apuração de casos
exemplares de violação dos direitos humanos, acompanha desde o início
o caso "massacre de eldorado dos carajás" com uma EQUIPE DE
ADVOGADOS, sempre com o
apoio irrestrito das entidades locais e familiares das vítimas. Com
esse espírito, a SDDH
soube abrir os seus caminhos, avaliando o contexto onde a contemporânea
temática dos direitos humanos está inserida. Verificou que o forte
instrumento da denúncia na década
de noventa, embora importante, já não era tão forte para mudar;
todavia, as ações propositivas
constituíram-se em um novo e difícil desafio a ser travado no campo
institucional, entre eles o Poder Judiciário. E resolvemos aceitar.
A
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), integrante do
Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), diante do que foi
demonstrado vem de público manifestar sua posição em continuar
atuando no julgamento do Caso "Massacre de Eldorado dos Carajás"
marcado para o próximo dia 14 de maio. A SDDH acredita que, depois da
anulação do primeiro julgamento, em que os oficiais comandantes do
massacre foram absolvidos, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJE)
também passou a sentar no banco dos réus ao lado dos acusados. E para
desmascarar a farsa que o TJE montou é preciso que este julgamento se
realize e que todas as conseqüências advindas do seu resultado sejam
assumidas pela Justiça. Os fatos provam que só a condenação dos réus
à pena máxima evitará o escárnio internacional da Justiça
brasileira, a exemplo do que já aconteceu no primeiro julgamento.
II
– Porquê a SDDH decidiu continuar no Julgamento de Eldorado dos Carajás
Não é preciso
lembrar os detalhes da ação que tropas da Polícia Militar do Pará,
cumprindo ordens do seu comandante maior, o governador Almir Gabriel,
levaram a cabo no dia 17 de abril de 1996, na “Curva do S”, no km 96
da PA 150, interrompendo a caminhada de 1.500 pessoas, entre homens,
mulheres e crianças, que faziam uma manifestação pacífica que ficou
conhecida como “Caminhada Pela Reforma Agrária”. O grupo composto
por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)
seguiria para Marabá, com o objetivo de reivindicar a efetiva
desapropriação da fazenda “Macaxeira”.
Os
laudos periciais, emitidos pelo Instituto Médico-Legal do Estado do Pará,
demonstram que os trabalhadores rurais foram vítimas de um massacre que
deixou um saldo de 19 trabalhadores mortos e 69 feridos. O laudo do IML
do Pará não deixa dúvidas:
“As
mortes dos integrantes do MST não resultaram do confronto. A perícia técnica,
robustecida pela prova testemunhal, autoriza a constatação de uma
desmedida e injustificável execução sumária revelada por tiros de
precisão, inclusive a queima-roupa, por corpos retalhados a golpes de
instrumentos cortantes, inclusive com esmagamento de crânio e mutilações
que evidenciam o ‘animus necandi’ (vontade de matar) dos
executores da ação criminosa”. Ou seja, após o confronto, a PM
rendeu e executou os membros da “Caminhada pela Reforma Agrária”.
A
SDDH, acompanhou todos os procedimentos, desde a busca de feridos, a
retirada dos cadáveres e os inquéritos policiais militar e civil e
atualmente está patrocinando o processo judicial, na condição de
Assistentes do Ministério Público, representando os familiares da vítima
GRACIANO OLIMPIO DE SOUZA, através de seu filho José Pereira de
Souza.
A
SDDH respeita e não se contrapõe às posições do MST, que tem todo
direito de tomar as posições que melhor legitima o seu movimento, mas
considera que o julgamento de Eldorado dos Carajás precisa acontecer
com a participação dos advogados que militam na defesa dos direitos
humanos, pois a sua ausência poderá ter como conseqüências:
-
Absolvição
pura e simples dos assassinos desse crime hediondo;
-
Fortalecimento
e ampliação da impunidade no Estado;
-
Enfraquecimento
da sociedade civil
-
Estímulo à
conduta criminosa de execução sumária de trabalhadores;
A
SDDH acredita que, no caso do Massacre de Eldorado dos Carajás, o que
se julga verdadeiramente são as instituições brasileiras e a sua
incapacidade de ter sintonia com as necessidades prementes que o povo
brasileiro tem de justiça e de acesso às políticas públicas. Mesmo
que todas as luzes da critica se apaguem, não se poderá esconder que
quem está no banco dos réus é o poder judiciário e o que se julga é
o pacto que o Brasil tem feito com a impunidade.
Município
de Belém, 10 de maio de 2002
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