
Comentários
do Governo brasileiro ao informe do Relator Especial sobre a Tortura da
Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas
Sir Nigel Rodley (documento
E/CN.4/2001/66/Add. 2)
Genebra, 11 de abril de 2001
O Governo brasileiro agradece ao Relator
Especial sobre a Tortura, Sir Nigel Rodley, por haver aceito convite para
realizar missão ao Brasil em agosto/setembro de 2000, e pela elaboração
de relatório circunstanciado sobre a visita, apresentado à 57a Sessão
da Comissão de Direitos Humanos (CDH), em Genebra, no dia 11 de abril de
2001. Sir Nigel visitou cinco Estados brasileiros e o Distrito Federal,
tendo-lhe sido assegurado acesso desimpedido a todos os estabelecimentos
de detenção, incluindo visitas sem aviso prévio a delegacias de polícia,
casas de custódia e presídios. O Relator Especial se entrevistou com o
Presidente Fernando Henrique Cardoso, com o Ministro da Justiça e com
autoridades dos três poderes da República e dos Estados visitados, além
de representantes de organizações não-governamentais.
2. A promoção e a proteção dos direitos
humanos se incluem entre as políticas públicas prioritárias do Governo
brasileiro. Nesse contexto, o combate à tortura constitui objeto de atenção
especial da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, órgão encarregado
do assunto no âmbito do Ministério da Justiça. A maneira objetiva e
transparente com que o Governo Federal aborda essa questão e reconhece a
existência de problemas no sistema de justiça penal ficou evidenciada no
relatório inicial do Brasil sobre a implementação da Convenção contra
a Tortura (documento CAT/C/9/Add. 16), a ser apresentado oralmente perante
o Comitê contra a Tortura (CAT), em Genebra, no mês de maio vindouro.
Essa postura construtiva também se depreende da atuação brasileira no
grupo de trabalho encarregado de elaborar Protocolo Opcional à Convenção
contra a Tortura, o qual visa a estabelecer mecanismo preventivo de
visitas a locais de detenção.
3. O Brasil apóia a cooperação e o diálogo
com todos os mecanismos e organismos de direitos humanos, convencionais e
extra-convencionais das Nações Unidas. O Governo brasileiro espera que
todos os países, independentemente da avaliação que possam fazer de
suas realidades internas, recebam os Relatores Especiais da Comissão e
cooperem com eles para a execução de seus mandatos. Na avaliação do
Brasil, nenhum país, por mais ou menos desenvolvido que seja, pode
colocar-se acima do escrutínio da comunidade internacional, pois ao fazê-lo
estaria relativizando a própria universalidade dos direitos humanos,
consagrada na Declaração e Programa de Ação de Viena (1993).
4. A visita de Sir Nigel Rodley não foi a
primeira de um Relator Especial da CDH ao Brasil. Visitaram anteriormente
o país os Relatores sobre venda de crianças, prostituição e
pornografia infantis; sobre violência contra a mulher; sobre o racismo, a
discriminação racial, a xenofobia e a intolerância correlata; e sobre
direitos humanos e resíduos tóxicos. Todos eles desenvolveram livremente
suas atividades e apresentaram ao Governo brasileiro conclusões e
recomendações de grande utilidade para o aprimoramento de diagnósticos
e identificação de medidas concretas em seus respectivos campos de ação.
5. A Constituição Federal de 1988 oferece
um arcabouço jurídico não apenas compatível, mas absolutamente
imperativo quanto à observância dos direitos humanos no Brasil. São vários
os dispositivos da Constituição que se referem a princípios e padrões
universais de direitos humanos, e a aplicabilidade dos tratados
internacionais de direitos humanos é nela plenamente reconhecida. O
Brasil é, ademais, parte dos Pactos Internacionais sobre Direitos Civis e
Políticos e Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e das quatro
principais Convenções da ONU sobre direitos humanos.
6. Nos planos interno e internacional, o
Brasil foi um dos primeiros países a adotar um Programa Nacional de
Direitos Humanos (PNDH), atendendo a recomendação da Conferência
Mundial de Viena (1993). O Programa Nacional, lançado em 1996, resultou
de amplo esforço participativo, no qual as organizações da sociedade
civil tiveram a oportunidade de oferecer sugestões e aportes em seminários
realizados nas principais Capitais do país. O PNDH está sendo objeto de
revisão, com vistas a seu aperfeiçoamento e à plena incorporação dos
direitos econômicos, sociais e culturais. Encerrada a fase de consulta à
sociedade civil, a cargo do Núcleo de Estudos da Violência da
Universidade de São Paulo, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos
está procedendo à revisão final das propostas e a consultas aos Ministérios
interessados. O tema da erradicação da tortura deverá, evidentemente,
figurar entre as prioridades do novo PNDH.
7. O Governo Federal tampouco tem sido
omisso no combate à prática da tortura no país. Diversas medidas
importantes foram adotadas nos últimos anos com o objetivo de adaptar o
ordenamento jurídico brasileiro às normas e padrões internacionais e às
obrigações assumidas pelo Estado brasileiro perante os tratados
internacionais de direitos humanos. As medidas introduzidas pelo Governo
tiveram também por finalidade induzir mudanças comportamentais na
sociedade vis-à-vis o crime de tortura e promover a defesa dos direitos
das pessoas submetidas a qualquer forma de detenção ou objeto de
investigações criminais.
8. A adoção da Lei que tipificou o crime
de tortura (Lei 9.455, de 7 de abril de 1997) constituiu um marco
referencial no combate àquela prática no Brasil. No plano concreto, porém,
a aplicação da lei pelos poderes competentes não tem sido satisfatória.
Em muitos casos posteriores a 1997, alegações de prática de tortura não
têm tido seguimento através de processos penais, seja pela ausência de
denúncia do Ministério Público, seja pelo redirecionamento da denúncia
para crimes menos graves como lesões corporais ou abuso de autoridade,
por parte de juízes. Há, de modo geral, um problema de falta de percepção
da tortura como um crime grave contra o Estado Democrático de Direito,
talvez porque o fenômeno atinja quase exclusivamente as camadas menos
favorecidas da sociedade. Esse quadro exige não apenas uma ação
decidida de conscientização e de mudança de mentalidades no seio da
sociedade brasileira, mas requer também a sensibilização dos operadores
do direito para essa questão, de modo a criar uma jurisprudência de
aplicação da Lei da Tortura.
9. A Secretaria de Estado dos Direitos
Humanos apoiou a realização, no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília,
de 30 de outubro a 1o de novembro de 2000, do Seminário Internacional
sobre Aplicação da Lei de Tortura, que contou também com o co-patrocínio
do Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia e da Comissão de Direitos
Humanos da Câmara dos Deputados. O seminário, o primeiro do gênero no
Brasil, reuniu mais de mil participantes, incluindo juristas e
especialistas nacionais e internacionais, e serviu para evidenciar a
complexidade que reveste o combate à tortura no país, o qual deve
necessariamente envolver esforços de toda a sociedade brasileira e de
todos os poderes do Estado. Ao final do seminário, as entidades
co-patrocinadoras firmaram um compromisso genérico no sentido de envidar
esforços para combater a prática de tortura.
10. Com vistas a dar um sentido concreto a
esse compromisso e a ampliar seu alcance a todos os segmentos da sociedade
brasileira, o Governo Federal estará lançando, a partir de maio
vindouro, campanha nacional contra a tortura, a ser divulgada por canais
de televisão, estações de rádio, jornais e revistas. Através de
filmes, anúncios e cartazes, espera-se mobilizar os três níveis da
administração pública, o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público,
os demais operadores do direito e um amplo espectro de organizações da
sociedade civil num pacto nacional contra a tortura. Trata-se da primeira
iniciativa desse gênero adotada pelo Executivo Federal no Brasil, em
consulta com setores expressivos da sociedade civil organizada.
11. O lançamento da campanha na mídia se
dará de forma simultânea com a inauguração de uma central de denúncias,
que processará as chamadas realizadas para um número 0800 com ligação
gratuita em todo o território nacional. A central de denúncias deverá
ser operada pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos, entidade não-governamental
com a qual a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos estará assinando
proximamente convênio de cooperação. As denúncias recebidas na central
e consideradas prima facie procedentes serão encaminhadas às entidades
estaduais, governamentais e não-governamentais, que tenham aderido à
campanha e ao pacto nacional contra a tortura, para a adoção de providências
e/ou o acompanhamento das investigações e dos processos penais.
12. Por iniciativa da Secretaria de Estado
dos Direitos Humanos, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana
(CDDPH), instância presidida pelo Ministro de Estado da Justiça e
composta por representantes de órgãos governamentais e entidades da
sociedade civil, estabeleceu, em reunião realizada em 18 de abril
corrente, uma comissão permanente de combate à tortura, a ser integrada
por altos funcionários, juristas e especialistas na matéria, com a
finalidade de respaldar a campanha nacional, formular sugestões ao
Governo Federal e acompanhar - inclusive por meio de missões in loco -
casos de denúncias de tortura em todo o país. A comissão terá a sua
disposição os dados compilados pela central de denúncias e divulgados
por intermédio da Rede Nacional de Direitos Humanos, vinculada à
Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. A página web da rede
(http://www.rndh.gov.br), que entrará em operação a partir do próximo
dia 15 de maio, permitirá não apenas a apresentação de denúncias de
atos de tortura pela Internet, como também o acesso eletrônico ao banco
de dados da central de denúncias pelas entidades participantes em todo o
Brasil.
13. Está sendo também prevista, no âmbito
da campanha nacional contra a tortura, a realização, no transcurso de
2001, de quatro cursos regionais de capacitação de operadores do
direito, em datas e locais ainda a serem definidos. Uma versão em português
- adaptada ao ordenamento jurídico brasileiro e à arquitetura
internacional dos direitos humanos - do "Torture Reporting
Handbook" da Universidade de Essex, Reino Unido, faria parte do
material a ser utilizado nos cursos de capacitação. Paralelamente, a
Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, em articulação com a
Secretaria de Segurança Pública do Ministério da Justiça, organismos
internacionais e agências de cooperação de outros países, apoiará a
realização de cursos de treinamento de policiais em direitos humanos e
em técnicas modernas de investigação. Da mesma forma, a Secretaria de
Estado dos Direitos Humanos estimulará a discussão do plano de ação
para 2001 da Secretaria Nacional de Justiça, com vistas à implementação
de políticas destinadas a aliviar a superlotação e a melhorar as condições
materiais dos estabelecimentos prisionais.
14. O Governo brasileiro está examinando
de forma atenta e pormenorizada o informe do Relator Especial, havendo
constituído para esse fim grupo de trabalho composto por representantes
do Ministério das Relações Exteriores, da Secretaria de Estado dos
Direitos Humanos e das Secretarias Nacionais de Segurança Pública e de
Justiça, do Ministério da Justiça. Embora severo, o relatório
representa, na visão do Governo Federal, uma ferramenta útil que servirá
de orientação para a discussão, adoção e implementação de políticas
públicas no campo da promoção e proteção dos direitos humanos,
especialmente no que tange ao combate à tortura.
15. As trinta recomendações formuladas
por Sir Nigel Rodley ao final do relatório incluem sugestões de medidas
concretas e análises conceituais importantes, que merecem consideração
mais detida. Para o Brasil, a apresentação à CDH do informe do Relator
Especial não representa o fim desse processo, mas sim o início de uma
nova etapa no diálogo com Sir Nigel, que o Governo Federal deseja
fortalecer e ampliar. É com esse espírito de cooperação e franqueza
que o Governo brasileiro encaminha, a seguir, seus comentários
preliminares sobre as recomendações do Relator Especial:
(1) Em primeiro lugar, as mais altas
lideranças políticas federais e estaduais precisam declarar
inequivocamente que não tolerarão a tortura ou outras formas de maus
tratos por parte de funcionários públicos, principalmente as polícias
militar e civil, agentes penitenciários e monitores de instituições
destinadas a menores infratores. É preciso que os líderes políticos
tomem medidas vigorosas para agregar credibilidade a tais declarações e
deixar claro que a cultura de impunidade precisa acabar. Além de efetivar
as recomendações que se apresentam a seguir, essas medidas deveriam
incluir visitas sem aviso prévio por parte dos líderes políticos a
delegacias de polícia, centros de detenção provisória e penitenciárias
conhecidas pela prevalência desse tipo de tratamento. Em particular,
deveriam ser pessoalmente responsabilizados os encarregados dos
estabelecimentos de detenção quando forem perpetrados maus tratos. Tal
responsabilidade deveria incluir - porém sem limitação - a prática
prevalecente em algumas localidades segundo a qual a ocorrência de maus
tratos durante o período de responsabilidade da autoridade encarregada
afeta adversamente suas perspectivas de promoção e, com efeito, deveria
implicar afastamento do cargo, sem que tal afastamento consista meramente
em transferência para outra instituição.
A declaração de repúdio à tortura por
parte de todas as autoridades nos níveis federal e estadual e nos três
poderes se dará por ocasião do lançamento da campanha nacional contra a
tortura, em cerimônia na qual as entidades participantes formalizarão
sua adesão a um pacto nacional contra a tortura. O pacto estabelecerá
obrigações específicas para as entidades participantes (ex: demissão
de funcionários que tenham praticado atos de tortura, realização de
visitas a locais de detenção, etc.), de modo a dar um sentido concreto
ao compromisso político por elas firmado.
(2) O abuso, por parte da polícia, do
poder de prisão de qualquer suspeito sem ordem judicial, em caso de
flagrante delito, deveria ser cessado imediatamente.
O abuso de poder do policial nas prisões
em flagrante deve ser combatido através do fortalecimento das ouvidorias
de polícia já existentes (10) e da criação de novas nos demais Estados
da Federação. Propõe-se também a criação de ouvidoria na Polícia
Federal, como estímulo aos Estados que ainda não estabeleceram esse
mecanismo externo de controle policial. A disciplina de direitos humanos
deve ser incluída no currículo de todas as academias policiais. Em
atendimento ao Compromisso 12 do Plano Nacional de Segurança Pública, o
Fundo Nacional de Segurança Pública liberou recursos da ordem de R$ 251
milhões para cooperação com os Estados em diferentes áreas, inclusive
na de capacitação profissional de policiais. No âmbito do projeto
SENASP/Cruz Vermelha Internacional/Embaixada do Reino Unido, foram
capacitados em direitos humanos 910 policiais brasileiros, num custo total
de R$ 451.000,00. Em 2001, existe a previsão de treinamento de 390
policiais, a um custo estimado de R$ 576.000,00.
(3) As pessoas legitimamente presas em
flagrante delito não deveriam ser mantidas em delegacias de polícia por
um período além das 24 horas necessárias para a obtenção de um
mandado judicial de prisão provisória. A superlotação das cadeias de
prisão provisória não pode servir de justificativa para se deixar os
detentos nas mãos da polícia (onde, de qualquer modo, a condição de
superlotação parece ser substancialmente mais grave do que até mesmo em
algumas das unidades prisionais mais superlotadas).
A detenção em carceragens de delegacias
de polícia por prazo superior às 24 horas estabelecidas em lei tem relação
direta com o problema da superlotação dos estabelecimentos prisionais.
Faz-se necessário adotar um conjunto integrado de medidas, tais como a
construção de novas unidades e reforma das existentes, a aplicação
mais sistemática de penas alternativas (com a criação de varas de
aplicação de penas alternativas), a revisão da situação processual
dos detentos (através de mutirões de execução penal), e a criação de
varas especializadas em dependentes químicos. Quanto às carceragens, há
uma tendência em alguns Estados da Federação, que deve ser apoiada pelo
Governo Federal, no sentido de desativar as celas das delegacias de polícia.
Mencione-se, por exemplo, a transformação, no Rio de Janeiro, de
delegacias de polícia em "delegacias legais" (vide comentário
à recomendação no. 20). Em São Paulo, os presos aguardando julgamento
estão sendo transferidos das delegacias de polícia para centros de detenção
provisória (CDP). Cada CDP tem capacidade para abrigar 768 detentos e seu
objetivo principal é o de tornar possível a desativação de carceragens
dos distritos policiais. Segundo esta tendência, já foram desativadas as
carceragens dos seguintes distritos policiais da capital do Estado:
DEPATRI, 6º, 15º, 21º, 22º, 23º, 30º, 42º, 48º, 51º, 56º, 59º,
75º, 81º, 93º e 95º.
(4) Os familiares próximos das pessoas
detidas deveriam ser imediatamente informados da detenção de seus
parentes e deveriam poder ter acesso a eles. Deveriam ser adotadas medidas
no sentido de assegurar que os visitantes a carceragens policiais, centros
de prisão provisória e penitenciárias sejam sujeitos a vistorias de
segurança que respeitem sua dignidade.
A informação aos familiares sobre pessoas
detidas é direito assegurado em lei que deve ser enfatizado nos cursos de
capacitação de delegados e agentes policiais. O procedimento de revistas
dos familiares dos detentos deve ser modificado, de modo a preservar a
dignidade dos visitantes. A instalação de equipamentos de detecção de
metais nos estabelecimentos prisionais permitirá mudança no procedimento
de revista, que passará a concentrar-se na pessoa do preso e não em seus
familiares.
(5) Qualquer pessoa presa deveria ser
informada de seu direito contínuo de consultar-se em particular com um
advogado a qualquer momento e de receber assessoramento legal independente
e gratuito, nos casos em que a pessoa não possa pagar um advogado
particular. Nenhum policial, em qualquer momento, poderá dissuadir uma
pessoa detida de obter assessoramento jurídico. Uma declaração dos
direitos dos detentos, tais como a Lei de Execução Penal (LEP), deveria
estar prontamente disponível em todos os lugares de detenção para fins
de consulta pelas pessoas detidas e pelo público em geral.
O direito da pessoa detida a consultar
advogado é assegurado em lei e deve ser reiterado nos cursos de capacitação
de delegados e agentes policiais e penitenciários. As defensorias públicas,
nos níveis federal e estadual, devem ser fortalecidas, através da
contratação de maior número de advogados. A criação desses órgãos
de defesa deve ser estimulada nos Estados onde ainda não existam. No âmbito
da campanha nacional contra a tortura, deverá ser elaborada uma cartilha
dos direitos e deveres do preso, que "traduza" em linguagem mais
popular os dispositivos legais pertinentes (Código Penal, Código de
Processo Penal e LEP). A cartilha deveria ser entregue a cada indivíduo,
no momento de sua detenção, e a seus familiares, em todo o território
nacional. Uma cartilha sobre os direitos e deveres dos guardas penitenciários
também mereceria ser objeto de consideração.
(6) Um registro de custódia separado
deveria ser aberto para cada pessoa presa, indicando-se a hora e as razões
da prisão, a identidade dos policiais que efetuaram a prisão, a hora e
as razões de quaisquer transferências subseqüentes, particularmente
transferências para um tribunal ou para um Instituto Médico Legal, bem
como informação sobre quando a pessoa foi solta ou transferida para um
estabelecimento de prisão provisória. O registro ou uma cópia do
registro deveria acompanhar a pessoa detida se ela fosse transferida para
outra delegacia de polícia ou para um estabelecimento de prisão provisória.
Dentre as medidas previstas no plano de ação
da Secretaria Nacional de Justiça para o ano de 2001, figura a implantação
do sistema INFOPEN (Programa de Informatização do Sistema Penitenciário),
banco nacional de dados com informações pormenorizadas sobre o sistema
prisional e cadastro individualizado do detento, contendo seu perfil sócio-biográfico
e criminal e histórico de sua passagem pelo sistema. É intenção do
Governo Federal estabelecer arranjo institucional para o cruzamento de
informações com o sistema da SENASP (INFOSEG - Programa de Integração
Nacional de Informações de Justiça e Segurança Pública), de modo a
assegurar o acompanhamento da situação prisional de cada indivíduo que
faça contato com o sistema de justiça criminal, desde o momento de sua
entrada no sistema (delegacia de polícia, casa de custódia ou centro de
detenção provisória), sua transferência para o sistema penitenciário,
seus deslocamentos no interior do mesmo (inclusive quando é levado a
exames médicos e aos tribunais), até o momento de sua saída, por
cumprimento da pena ou recebimento de benefício legal.
(7) A ordem judicial de prisão provisória
nunca deveria ser executada em uma delegacia de polícia.
Vide comentário à recomendação no. 3.
(8) Nenhuma declaração ou confissão
feita por uma pessoa privada da liberdade, que não uma declaração ou
confissão feita na presença de um juiz ou de um advogado, deveria ter
valor probatório para fins judiciais, salvo como prova contra as pessoas
acusadas de haverem obtido a confissão por meios ilícitos. O Governo é
convidado a considerar urgentemente a introdução da gravação em vídeo
e em áudio das sessões realizadas em salas de interrogatório de
delegacias de polícia.
A lei brasileira confere legitimidade à
confissão como meio de prova. Qualquer alteração dessa disposição
legal requereria o envio de projeto de lei ao Congresso Nacional. A
recomendação do Relator Especial será levada ao conhecimento da comissão
de juristas encarregada da revisão do Código Penal. Não obstante, está
sendo estudada a possibilidade de instituir, nas regiões metropolitanas
priorizadas pelo Plano Nacional de Segurança Pública, projeto-piloto
para instalação de equipamentos de vídeo nas salas de interrogatório.
(9) Nos casos em que as denúncias de
tortura ou outras formas de maus tratos forem levantadas por um réu
durante o julgamento, o ônus da prova deveria ser transferido para a
promotoria, para que esta prove, além de um nível de dúvida razoável,
que a confissão não foi obtida por meios ilícitos, inclusive tortura ou
maus tratos semelhantes.
A regra que atribui o ônus da prova a quem
alega deriva de dispositivo legal, cuja inversão, no caso de tortura ou
de maus-tratos, dependeria de envio de projeto de lei ao Congresso
Nacional. A recomendação do Relator Especial será levada ao
conhecimento da comissão encarregada da revisão do Código de Processo
Penal.
(10) As denúncias de maus tratos, quer
feitas à polícia ou a outro serviço, à corregedoria do serviço
policial ou a seu ouvidor, ou a um promotor, deveriam ser investigadas com
celeridade e diligência. Em particular, importa que o resultado não
dependa unicamente de provas referentes ao caso individual; deveriam ser
igualmente investigados os padrões de maus tratos. A menos que a denúncia
seja manifestamente improcedente, as pessoas envolvidas deveriam ser
suspensas de suas atribuições até que se estabeleça o resultado da
investigação e de quaisquer processos judiciais ou disciplinares subseqüentes.
Nos casos em que ficar demonstrada uma denúncia específica ou um padrão
de atos de tortura ou de maus tratos semelhantes, o pessoal envolvido
deveria ser peremptoriamente demitido, inclusive os encarregados da
instituição. Essa medida envolverá uma purgação radical de alguns
serviços. Um primeiro passo nesse sentido poderia ser a purgação de
torturadores conhecidos, remanescentes do período do governo militar.
Dentro dos limites do Direito
Administrativo, as entidades participantes da campanha nacional contra a
tortura comprometer-se-ão a exercer maior rigor nas apurações de ilícitos
e demissões de funcionários envolvidos em atos de tortura. Um dos
objetivos da campanha nacional será o de fortalecer as corregedorias e
ouvidorias de polícia. O Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia,
entidade de caráter consultivo vinculada à Secretaria de Estado dos
Direitos Humanos, deverá desempenhar papel essencial nesse processo.
(11) Todos os Estados deveriam implementar
programas de proteção a testemunhas, nos moldes estabelecidos pelo
programa PROVITA, para testemunhas de incidentes de violência por parte
de funcionários públicos; tais programas deveriam ser plenamente
ampliados de modo a incluir pessoas que têm antecedentes criminais. Nos
casos em que os atuais presos se encontram em risco, eles deveriam ser
transferidos para outro centro de detenção, onde deveriam ser tomadas
medidas especiais com vistas à sua segurança.
Conforme meta estabelecida no PNDH, a
Secretaria de Estado dos Direitos Humanos estabeleceu o Sistema Nacional
de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, que integra o serviço
de proteção federal aos serviços estaduais (12 Estados participam até
a presente data). Em 2000, o Sistema Nacional foi responsável pela proteção
e assistência de 328 pessoas, das quais 256 permaneciam inseridas na rede
ao final do ano. Esse dado, aliado ao fato de nunca ter sido registrada
qualquer baixa ou atentado contra um de seus beneficiários, reforça a
credibilidade do modelo brasileiro. Para 2001, o Governo Federal destinou
orçamento dez vezes superior ao valor dos recursos inicialmente
disponibilizados em 2000, o que deve permitir o aperfeiçoamento do
sistema e sua expansão para até mais seis Estados até o final do
primeiro semestre de 2002. O Serviço de Proteção ao Depoente Especial,
coordenado pelo Departamento de Polícia Federal e destinado a garantir a
proteção a réus colaboradores e testemunhas que não se enquadrem nos
requisitos do Sistema Nacional, se encontra em funcionamento desde junho
de 2000. Faz-se necessário promover uma reflexão sobre possíveis
medidas especiais de proteção a detentos ameaçados por agentes
policiais e penitenciários, em função de denúncias de tortura e
maus-tratos. Entre essas possíveis medidas de proteção sobressai a
transferência do preso para estabelecimento prisional em outro Estado ou
para carceragens da Polícia Federal, por tempo determinado e enquanto
perdurar a situação de risco.
(12) Os promotores deveriam formalizar
acusações nos termos da Lei Contra a Tortura de 1997, com a freqüência
definida com base no alcance e na gravidade do problema, e deveriam
requerer que os juízes apliquem as disposições legais que proíbem a
concessão de fiança em benefício dos acusados. Os Procuradores-Gerais
de Justiça, com o apoio material das autoridades governamentais e demais
autoridades estaduais competentes, deveriam destinar recursos suficientes,
qualificados e comprometidos para a investigação penal de casos de
tortura e maus tratos semelhantes, bem como para quaisquer processos em
grau de recurso. Em princípio, os promotores em referência não deveriam
ser os mesmos responsáveis pela instauração de processos penais ordinários.
No âmbito da campanha nacional contra a
tortura, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos promoverá cursos de
sensibilização e capacitação operadores do direito, inclusive membros
do Ministério Público e do Poder Judiciário. Tais cursos deverão
ressaltar, entre outros aspectos, o caráter inafiançável do crime de
tortura e as circunstâncias especiais de risco que comporta o eventual
relaxamento de prisão. Desde a realização do seminário de Brasília
sobre aplicação da lei da tortura tem havido um número crescente de denúncias
de atos de tortura por parte do Ministério Público. Casos recentes em
Sorocaba, Estado de São Paulo, e nos Estados de Goiás e de Minas Gerais,
envolvendo grande número de delegados e agentes policiais indiciados na
Lei 9.455, constituem exemplo dessa tendência.
(13) As investigações de crimes cometidos
por policiais não deveriam estar sob a autoridade da própria polícia.
Em princípio, um órgão independente, dotado de recursos próprios de
investigação e de pessoal - no mínimo o Ministério Público - deveria
ter autoridade de controlar e dirigir a investigação, bem como acesso
irrestrito às delegacias de polícia.
A decisão de retirar o inquérito policial
da esfera de competência das polícias civil e militar depende de
profunda reformulação das forças policiais no Brasil, a qual vem sendo
objeto de amplo e extenso debate no Congresso Nacional. O projeto de lei
no. 22/97, em tramitação no Congresso Nacional, visa a alterar a Lei
9.299/97, que atribui à justiça comum competência para julgar policiais
militares por crimes dolosos contra a vida. O PL amplia essa competência
aos crimes de lesão corporal dolosa e àqueles previstos em legislação
extravagante, contendo dispositivo que reforça o papel do Ministério Público
no acompanhamento dos inquéritos policiais. Conviria discutir a
possibilidade de adotar dispositivo semelhante para a investigação de
crimes praticados por policiais civis.
(14) Os níveis federal e estadual deveriam
considerar positivamente a proposta de criação da função de juiz
investigador, cuja tarefa consistiria em salvaguardar os direitos das
pessoas privadas de liberdade.
Conforme o ordenamento jurídico
brasileiro, os juízes de execução penal são os responsáveis pela
salvaguarda dos direitos das pessoas condenadas a penas privativas de
liberdade. Da mesma forma, os juízes de instrução devem zelar pelos
direitos dos réus até que a decisão de pronúncia seja eventualmente
prolatada. Na fase do inquérito policial, o juiz à presença do qual o
acusado deve ser conduzido no prazo legal de 24 horas deveria também se
encarregar de acompanhar mais de perto a condição física do preso, e
tomar providências imediatas caso venha a constatar quaisquer
irregularidades no procedimento policial. Esse aspecto deverá ser
enfatizado nos cursos de capacitação.
(15) Se não por qualquer outra razão que
não a de pôr fim à superlotação crônica dos centros de detenção
(um problema que a construção de mais estabelecimentos de detenção
provavelmente não poderá resolver), faz-se imperativo um programa de
conscientização no âmbito do Judiciário a fim de garantir que essa
profissão, que se encontra no coração do Estado de Direito e da
garantia dos Direitos Humanos, torne-se tão sensível à necessidade de
proteger os direitos dos suspeitos e, com efeito, de presos condenados,
quanto evidentemente o é a respeito da necessidade de reprimir a
criminalidade. Em particular, o Judiciário deveria assumir alguma
responsabilidade pelas condições e pelo tratamento a que ficam sujeitas
as pessoas que o Judiciário ordena permaneçam sob detenção pré-julgamento
ou sentenciadas ao cárcere. Em se tratando de crimes comuns, nos casos em
que a conduta delituosa possa dar margem a diversas interpretações, o
Judiciário deveria ser relutante em enquadrar a ação delituosa como
crime inafiançável, que exclua a aplicação de penas alternativas, que
requeira a custódia sob regime fechado, e que impeça a progressão de
regime.
Com relação a medidas para aliviar o
problema da superlotação, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos
estimulará a implementação das propostas mencionadas no comentário à
recomendação no. 3, e procurará sensibilizar o Judiciário para a
importância daquele elenco de medidas. No ano de 2000, o Fundo Nacional
de Segurança Pública destinou recursos da ordem de R$ 102 milhões para
a construção e reforma de unidades prisionais.
(16) Pela mesma razão, a Lei de Crimes
Hediondos e outros diplomas legais aplicáveis deveriam ser emendados de
modo a assegurar que períodos de detenção ou prisão, muitas vezes
longos, não sejam passíveis de imposição por crimes relativamente
menos graves. O crime de "desrespeito à autoridade" (desacatar
a funcionário público no exercício da função) deveria ser abolido.
Uma das medidas destinadas a reduzir a
superlotação de presídios, centros de detenção provisória e
delegacias de polícia diz respeito à imposição de critérios mais
precisos no enquadramento da conduta ilícita nos tipos penais definidos
na Lei de Crimes Hediondos. À guisa de exemplo, pessoa detida por porte
de pequena quantidade de entorpecentes, ainda que não para consumo próprio,
deveria ter sua conduta enquadrada no artigo 16 da Lei de Tóxicos (Lei
no. 6.368/76), e não no artigo 12 da mesma lei, o qual configura tráfico
de entorpecentes, ilícito cuja pena deve ser cumprida integralmente em
regime fechado, de acordo com disposição da Lei de Crimes Hediondos. Os
cursos de sensibilização do Judiciário e do Ministério Público deverão
cobrir esse aspecto. A extinção do crime de desacato à autoridade se
afigura, porém, mais problemática, uma vez que esse dispositivo legal
constitui na prática a única forma de defesa de agentes do Estado no
exercício legítimo de suas funções contra atitudes repreensíveis por
parte de particulares.
(17) Deveria haver um número suficiente de
defensores públicos para garantir que haja assessoramento jurídico e
proteção a todas as pessoas privadas de liberdade desde o momento de sua
prisão.
A Defensoria Pública da União deverá
expandir seu quadro de funcionários. A Secretaria de Estado dos Direitos
Humanos propugnará pela criação, em todos os Estados da Federação, de
defensorias públicas dotadas dos recursos necessários ao desempenho
eficiente de suas funções.
(18) Instituições tais como conselhos
comunitários, conselhos estaduais de direitos humanos e ouvidorias
policiais e prisionais deveriam ser mais amplamente utilizadas; essas
instituições deveriam ser dotadas dos recursos que lhe são necessários.
Em particular, cada estado deveria estabelecer conselhos comunitários
plenamente dotados de recursos, que incluam representantes da sociedade
civil, sobretudo organizações não-governamentais de direitos humanos,
com acesso irrestrito a todos os estabelecimentos de detenção e o poder
de coletar provas de irregularidades cometidas por funcionários.
Conforme as prioridades definidas no PNDH,
a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos vem estimulando a criação de
conselhos estaduais e a elaboração de programas estaduais de direitos
humanos, assim como de ouvidorias de polícia. Através de ações específicas
da Secretaria Nacional de Justiça, o papel do Conselho Penitenciário
Nacional e dos conselhos comunitários deverá ser fortalecido,
especialmente no que diz respeito à realização de visitas não
anunciadas a estabelecimentos prisionais.
(19) A polícia deveria ser unificada sob a
autoridade e a justiça civis. Enquanto essa medida estiver pendente, o
Congresso pode acelerar a apreciação do projeto de lei apresentado pelo
Governo Federal que visa transferir para tribunais ordinários a jurisdição
sobre crimes de homicídio, lesão corporal e outros crimes, inclusive o
crime de tortura cometida pela polícia militar.
Existem várias propostas de alteração da
estrutura das polícias civil e militar em tramitação no Poder
Legislativo. Proposta de unificação das duas polícias foi apresentada
pelo Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia aos Presidentes da Câmara
dos Deputados e do Senado. Esse debate, ainda inconclusivo, vem tendo
seguimento no Congresso Nacional. O projeto de lei no. 22/97 poderá ficar
superado caso seja aprovada proposta de emenda constitucional no. 29/2000,
que introduz, inter alia, a competência singular do juiz de direito da
justiça comum para julgar os militares nos crimes praticados contra
civis.
(20) As delegacias de polícia deveriam ser
transformadas em instituições que ofereçam um serviço ao público. As
delegacias legais implementadas em caráter pioneiro no estado do Rio de
Janeiro são um modelo a ser seguido.
Há algumas experiências em Estados da
Federação quanto à transformação de delegacias de polícia em
instituições efetivamente prestadoras de serviços públicos. No Rio de
Janeiro, o governo estadual vem expandindo o programa de "delegacias
legais", que somam hoje 14 unidades, devendo atingir 80 até o final
deste ano e todo o universo das delegacias de polícia até fins de 2002.
(21) Um profissional médico qualificado
(um médico escolhido, quando possível) deveria estar disponível para
examinar cada pessoa, quando de sua chegada ou saída, em um lugar de
detenção. Os profissionais médicos também deveriam dispor dos
medicamentos necessários para atender às necessidades médicas dos
detentos e, caso não possam atender a suas necessidades, deveriam ter
autoridade para determinar que os detentos sejam transferidos para um
hospital, independentemente da autoridade que efetuou a detenção. O
acesso ao profissional médico não deveria depender do pessoal da
autoridade que efetua a detenção. Tais profissionais que trabalham em
instituições de privação de liberdade não deveriam estar sob
autoridade da instituição, nem da autoridade política por ela responsável.
As Secretarias Nacionais de Justiça e de
Segurança Pública procurarão celebrar convênios com Faculdades de
Medicina, Enfermagem e Odontologia, a fim de assegurar aos detentos
tratamento médico e odontológico adequado. Faz-se necessário estimular
o debate sobre formas de evitar que a decisão de conduzir presos para
atendimento médico recaia exclusivamente sobre os responsáveis pela custódia
dos detentos (delegados, diretores de presídios, agentes policiais e
penitenciários).
(22) Os serviços médico-forenses deveriam
estar sob a autoridade judicial ou outra autoridade independente, e não
sob a mesma autoridade governamental que a polícia; nem deveriam exercer
monopólio sobre as provas forenses especializadas para fins judiciais.
O projeto de lei do Fórum Nacional dos
Ouvidores de Polícia sobre unificação das polícias prevê a inclusão
dos peritos forenses nos quadros de carreira do Poder Judiciário. A
Secretaria de Estado dos Direitos Humanos considera a independência dos
peritos forenses e funcionários dos Institutos Médico-Legais condição
essencial para uma investigação isenta.
(23) A assustadora situação de
superpopulação em alguns estabelecimentos de prisão provisória e
instituições prisionais precisa acabar imediatamente; se necessário,
mediante ação do Executivo, exercendo clemência, por exemplo, com relação
a certas categorias de presos, tais como transgressores primários não-violentos
ou suspeitos de transgressão. A lei que exige a separação entre
categorias de presos deveria ser implementada.
A Secretaria Nacional de Justiça montou um
projeto de expansão significativa do uso das penas alternativas, visando
evitar que ingressem em penitenciárias pessoas cujas penas não sejam
superiores a quatro anos. Centrais estaduais de apoio e acompanhamento a
penas alternativas já estão sendo financiadas em sete Estados (o projeto
foi iniciado em setembro de 2000), em convênio firmado com outros quinze
Estados. Espera-se que todos os Estados brasileiros possam contar com
essas centrais até o final de junho de 2001. Também com vistas a mudar a
política de ingresso em penitenciárias, a Secretaria Nacional de Justiça
está apoiando os Juizados Especiais para Dependentes Químicos (Drug
Courts), destinados a desviar da prisão aqueles que cometem pequenos
delitos direta ou indiretamente relacionados com drogas e a tratá-los médica
e psicologicamente. Segundo a lei brasileira, os condenados podem
beneficiar-se de anistia, graça ou indulto. Na prática, o indulto tem
sido o único benefício concedido, sobretudo na época de Natal. A
concessão da anistia ou da graça depende de um conjunto de requisitos
estabelecidos no ato do Poder Legislativo ou Executivo que concede o benefício.
Não tem sido prática da política penitenciária brasileira a concessão
desses benefícios. Dentro do plano de ação para 2001 da Secretaria
Nacional de Justiça, a separação de presos por categorias, conforme o
disposto na Lei de Execução Penal, deve merecer atenção prioritária.
(24) É preciso que haja uma presença de
monitoramento permanente em toda instituição dessa natureza e em
estabelecimentos de detenção de menores infratores, independentemente da
autoridade responsável pela instituição. Em muitos lugares, essa presença
exigiria proteção e segurança independentes.
No caso de adolescentes sujeitos a medidas
de internação ou ressocialização, o Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente (CONANDA) deve atuar de forma cada vez mais
participativa no monitoramento e acompanhamento de denúncias de atos de
tortura em centros de atendimento a adolescentes em conflito com a lei. O
CONANDA vem realizando reuniões em diferentes Estados para abordar
problemas específicos de instituições como a FEBEM de São Paulo,
amplamente mencionada no informe do Relator Especial. Com relação aos
adultos, a Secretaria Nacional de Justiça deve celebrar convênios com a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e organizações não-governamentais,
com vistas a estabelecer sistema independente de monitoramento integrado
aos conselhos comunitários.
(25) É preciso providenciar, urgentemente,
capacitação básica e treinamento de reciclagem para a polícia, o
pessoal de instituições de detenção, funcionários do Ministério Público
e outros envolvidos na execução da lei, incluindo-se temas de direitos
humanos e matérias constitucionais, bem como técnicas científicas e as
melhores práticas propícias ao desempenho profissional de suas funções.
O programa de segurança humana do Programa de Desenvolvimento das Nações
Unidas poderia ter uma contribuição substancial a fazer nesse
particular.
Vide comentários anteriores sobre as
recomendações do Relator Especial que tratam da questão da capacitação
de agentes policiais e penitenciários, membros do Ministério Público e
demais aplicadores da lei. A questão da cooperação técnica no campo da
capacitação poderá ser discutida por ocasião da visita ao Brasil de
missão técnica do Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações
Unidas, em junho próximo.
(26) Deveria ser apreciada a proposta de
emenda constitucional que permitirá, em determinadas circunstâncias, que
o Governo Federal solicite autorização do Superior Tribunal de Justiça
para assumir jurisdição sobre crimes que envolvam violação de direitos
humanos internacionalmente reconhecidos. As autoridades federais do Ministério
Público necessitarão de um aumento substancial dos recursos a elas
alocados para poderem cumprir efetivamente a nova responsabilidade.
A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos
incluiu a proposta de emenda constitucional sobre a federalização dos
crimes de direitos humanos entre as iniciativas legislativas prioritárias
do Ministério da Justiça para o ano de 2001.
(27) O financiamento federal de
estabelecimentos policiais e penais deveria levar em conta a existência
ou não de estruturas para se garantir o respeito aos direitos das pessoas
detidas. Deveria haver disponibilidade de financiamento federal para se
implementarem as recomendações acima. Em particular, a Lei de
Responsabilidade Fiscal não deveria ser um obstáculo à efetivação das
recomendações.
A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos
tem estabelecido, como requisito para a liberação de verbas para a
implementação de projetos, o atendimento pelos Estados de certas condições
relacionadas com a promoção e proteção dos direitos humanos. As
Secretarias Nacionais de Justiça e Segurança Pública devem adotar
sistemática semelhante na liberação de recursos de suas respectivas
rubricas orçamentárias.
(28) O Governo deveria considerar séria e
positivamente a aceitação do direito de petição individual ao Comitê
contra a Tortura, mediante a declaração prevista nos termos do Artigo 22
da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Cruéis,
Desumanos ou Degradantes.
O Governo brasileiro está considerando o
assunto e se pronunciará oportunamente sobre a sugestão do Relator
Especial.
(29) Solicita-se ao Governo considerar
convidar o Relator Especial sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou
Arbitrárias a visitar o país.
Conforme decisão do Ministro da Justiça
referendada pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH),
o Governo brasileiro estará formulando, por intermédio da Missão
Permanente em Genebra, convite à Relatora Especial sobre Execuções
Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias para que visite proximamente o
Brasil, em data a ser determinada.
(30) O Fundo Voluntário das Nações
Unidas para Vítimas da Tortura fica convidado a considerar com
receptividade as solicitações de assistência por parte de organizações
não-governamentais que trabalham em prol das necessidades médicas de
pessoas que tenham sido torturadas e pela reparação legal da injustiça
a elas causada.
O Brasil apóia o trabalho realizado pelo
Fundo Voluntário das Nações Unidas para Vítimas da Tortura e fez
contribuições para o mesmo nos anos de 1985, 1986, 1988, 1992 e 1997. O
Governo brasileiro deverá regularizar as contribuições anunciadas para
os anos de 1995, 1996 e 1998, bem como considerar a possibilidade de fazer
nova contribuição ao Fundo.
16. As informações recebidas de
autoridades estaduais sobre os casos individuais mencionados no informe do
Relator Especial serão encaminhadas diretamente ao Escritório do Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
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