
Mobilização Política
Todo
o
enorme trabalho na realização da
pesquisa sobre
violação
dos direitos humanos e assassinatos homofóbicos, sua
sistematização, gastos com a publicação dos resultados e
divulgação na mídia e entre as autoridades, tudo isso tem um
único objetivo: a erradicação destes bárbaros crimes homofóbicos
que ceifam a vida de milhares de jovens e adultos, mulheres e
homens, condenados à morte
por terem
praticado um único “crime”: amar pessoas do mesmo sexo.
Assim sendo,
a finalidade última da realização de todo este trabalho é
documentar esta verdadeira guerra anti-homossexual capitaneada
pela sociedade heterossexista – um crime mortal a cada dois
dias! Seu fim é mobilizar os próprios interessados – gays,
travestis, transexuais e lésbicas –, assim como a sociedade
em geral, a fim de erradicar condutas tão hediondas. A mobilização
política, portanto, é passo fundamental para o êxito de nosso
projeto na construção de uma nova sociedade
onde as discriminações e homicídios homossexuais se
tornem peças do museu dos horrores.
Portanto,
tendo o dossiê em mãos, além da ampla divulgação junto à mídia
e às autoridades e grupos específicos, visualizamos quatro
medidas básicas na maximização de seu desdobramento político:
-contactos
com autoridades ligadas à área da segurança pública e
direitos humanos;
-acompanhamento
do inquérito e processo nas instâncias policiais e judiciais;
-mobilização
dos familiares das vítimas;
-produção
de material informativo e preventivo.
Um primeiro
momento da mobilização política contra crimes homofóbicos
é a pressão junto ao poder público e à sociedade
civil, a fim de investigar, processar e punir exemplarmente os
criminosos, evitando assim que a impunidade, hoje tão
generalizada, sirva de estímulo à prática de novos homicídios.
Como disse um Secretário de Segurança Pública de São Paulo,
“assassinato de homossexual é contagioso. Se esses crimes não
são reprimidos imediatamente, podem se transformar em
epidemia”.
Neste
sentido, além do envio sistemático e dirigido do dossiê a
todas aquelas supracitadas autoridades civis e militares, do
executivo, legislativo e judiciário, convém marcar audiência
com os respectivos titulares a fim de discutir e propor medidas
concretas com vistas a diminuir e erradicar tal violência.
Para
tanto, é fundamental que além do próprio dossiê, os
dirigentes do grupo homossexual ou de entidades de direitos
humanos que coordenam este trabalho, assim como os responsáveis
pela elaboração do dossiê, levem consigo diversos exemplares,
na entrevista com as diferentes autoridades, além de uma
“Representação” de uma ou duas páginas com as principais
reivindicações e sugestões com vistas a debelar tais crimes.
No final deste Manual, em anexo, estão arroladas algumas
propostas da Secretaria de Direitos Humanos da ABGLT que podem
servir de inspiração para a elaboração da “Representação”,
embora cada grupo regional tenha certamente medidas específicas
a propor.
Insistimos:
nunca se deve ir a uma entrevista com o Secretário de Segurança
Pública ou Comandante da Polícia Militar, ou outra autoridade
governamental, sem Ter uma lista clara e precisa de sugestões e
reivindicações viárias que devem ser discutidas com a
autoridade, estabelecidos prazos e cobrada sua concretização
algumas semanas depois.
Cada
grupo organizará sua lista de autoridades mais estratégicas a
quem visitar e cobrar medidas efetivas de maior proteção e
segurança da “comunidade homossexual”, assim como a apuração
dos crimes e julgamentos dos criminosos.
Devem
ser visitados obrigatoriamente quando menos os Delegados
Titulares de Homicídio das demais delegacias onde foram
registrados crimes homofóbicos; o Secretário de Segurança Pública
e de Direitos Humanos; os Juízes das Varas Crimes e Presidentes
das Comissões de Direitos Humanos da Câmara, Assembléia e
OAB. O contacto com o Governador e Prefeito pode ser
politicamente muito significativo na medida em que ajudam a
pressionar as autoridades do segundo escalão para que recebam
em audiência os líderes homossexuais e para que ponham em prática
com urgência as medidas sugeridas na referida “Representação”.
Nunca
é demais recordar que qualquer uma dessas atividades do grupo
devem ser previamente divulgadas através de release na mídia
local, pois no caso de tais contactos políticos virem a ser
publicados nos periódicos, funcionam como força de pressão
junto às autoridades governamentais.
É
igualmente importante a organização de uma pasta com recortes
de jornais contendo tudo o que foi publicado relativamente a
esta campanha, pois no momento destas entrevistas com as
autoridades, tal book serve para mostrar-lhes a seriedade do
trabalho e quanto a mídia tem se interessado pelo assunto.
Deve-se também levar a pasta original dos assassinatos, com as
fotografias mais chocantes eventualmente conseguidas no IML,
pois causam grande impacto nas autoridades, beneficiando nossos
objetivos.
Já
referimos à importância de se organizar um fichário a fim de
facilitar o acompanhamento sobre a situação dos inquéritos e
julgamentos nos respectivos órgãos públicos, telefonando e
realizando visitas às Delegacias e ao Fórum para pressionar
aqueles casos que nos parecem vir recebendo menor atenção.
Outra forma de pressionar tais autoridades é enviar frequentes
cartas cobrando rapidez no processo e severidade na punição
dos culpados – cartas que podem causar maior pressão se forem
divulgadas nos jornais locais. Tal pressão tem como objetivo,
repetimos, não
só a apuração e rapidez no julgamento dos criminosos como
estimular o poder público na implantação de medidas
governamentais de curto, médio e longo alcance a fim de
erradicar crimes homofóbicos, incluindo a criação de um serviço
telefônico de disque denúncia homossexual, a coleta sistemática
de estatísticas sobre crimes homofóbicos, a capacitação de
policiais no trato da comunidade GLS, etc.
O
contacto com os parentes das vítimas a fim de obter seu apoio
na pressão junto às autoridades deve sempre ser priorizado
pelos ativistas do grupo homossexual ou de direitos humanos,
muito embora lastimavelmente, famílias há que por vergonha e
homofobia internalizada, prefiram negar a homossexualidade dos
filhos, recusando-se a participar desta corrente defensora dos
direitos humanos.
Logo
que um homossexual foi assassinado, é importantíssimo entrar
imediatamente em contacto com sua família, hipotecando nossa
total solidariedade, informando sobre os objetivos do grupo e
nossa experiência em pressionar o poder público para prender e
julgar o autor de tanto sofrimento.
Em
se tratando de travestis, coloca-se ainda o problema da
identificação civil da vítima, pois muitas travestis não
possuindo documentos, nem se conhecendo a residência de seus
familiares, correm o risco de ser enterradas como indigentes.
Nestes casos, deve-se realizar rápida investigação junto às
demais travestis que conheciam a vítima a fim de tentar
localizar algum parente que se encarregue dos trâmites do
enterro.
Obtida
a boa intenção dos pais, irmãos ou parentes da vítima de
trabalhar em parceria com o grupo homossexual, devem-se
estreitar os laços de comunicação, escolhendo-se um dos
membros mais comprometidos como canal principal de contacto,
telefonando de vez em quando, informando sempre, com antecedência,
o horário das sessões de audiência e julgamento,
encarregando-o de por conta própria, igualmente acompanhar pari
passu o andamento do processo.
Sempre
que houver a presença da imprensa e televisão em qualquer
atividade ligada a estes assassinatos, é fundamental que ao
menos algum membro da família se faça presente e seja
entrevistado para relatar todo o sofrimento dos familiares pela
perda de seu parente querido: tais depoimentos provocam grande
empatia popular no apoio a nossa causa.
Importantíssima
também é a presença de familiares e amigos da vítima em
todas as sessões do fórum, pois servem de contraponto face à
encenação orquestrada por advogados astutos, que conseguem
mudar a imagem de assassinos perigosos e frios, em vítimas
indefesas e humildes que declaram ter matado o perverso
homossexual a fim de se defenderem contra seu pecaminoso assédio
sexual. A imagem verdadeira e pungente da mãe da vítima ou de
seus parentes mais próximos fala por si, desmascarando a tão
comum tentativa homofóbica de transformar o réu em vítima.
Outra
estratégia de mobilização política contra crimes homofóbicos
é divulgar depoimentos de homossexuais que foram vítimas de
agressões, escapando por pouco de serem assassinados. Revelar o
modo de agir dos agressores e a reação da vítima pode
fornecer pistas e alertar os próprios gays como evitarem ser as
próximas vítimas.
Um
recurso não menos importante, embora dificultoso, nesta
campanha para erradicar a criminalidade homofóbica é tentar
entrevistar os próprios assassinos na casa de detenção. Tal
contacto no mais das vezes é inviabilizado pela hostilidade do
réu vis a vis em relação aqueles que defendem os direitos humanos de
suas vítimas: mais
de uma vez assassinos de homossexuais chegaram a prometer vingança
contra os líderes do Grupo Gay da Bahia, por termos pressionado
e auxiliado a polícia e a justiça na sua prisão e julgamento.
Caso
se tenha acesso a tais presidiários, uma entrevista, de preferência
gravada ou filmada, pode ser extremamente útil para melhor se
conhecer os subterrâneos da alma de um caso extremo e protótipo
da homofobia, seus argumentos de acusação e defesa. A discussão
dessa entrevista com especialistas multidisciplinares da área
de Psicologia e Sociologia pode ser de extrema utilidade para se
propor soluções e este grave problema, norteando-se pelo mais
estrito profissionalismo, ética e eficiência.
Temos
demonstrado ao longo destas páginas que para diminuir e
erradicar os crimes homofóbicos faz-se necessário a conjugação
de pelo menos três estratégias principais: a mudança de
mentalidade da sociedade em geral, sobretudo das novas gerações,
a fim de que, através da educação
sexual, aprendam a conviver
e respeitar a diversidade sexual, desenvolvendo sentimentos de
tolerância face aos grupos diferenciados; o empenho das
autoridades governamentais aprovando leis que garantam a cidadania plena das minorias sexuais, investigando
e punindo exemplarmente os autores de discriminações e crimes
homofóbicos; e finalmente, a mobilização dos próprios
homossexuais, assumindo-se e afirmando sua identidade, evitando
situações de risco e denunciando qualquer tipo de discriminação,
ameaça ou violência homofóbicas. Neste sentido, com vistas a
mobilizar de forma mais eficiente os diferentes subgrupos que
compõem a comunidade homossexual local, consideramos da maior
importância a produção de materiais
específicos que transmitam informações práticas e
eficazes de como evitar, reagir e escapar ileso à violência
homofóbica. Esta é a quarta medida básica que propomos na
maximização do desdobramento político tendo o dossiê de
crimes homofóbicos como propulsor.
Em
anexo incluímos um capítulo do Manual de Sobrevivência
Homossexual, que deverá ser adaptado a cada realidade regional
específica, e cuja distribuição junto à população
homossexual poderá reduzir significativamente os crimes homofóbicos.
Outra
solução importante para se erradicar os crimes homofóbicos é
realizar de quando em vez grupos de discussão, work-shops,
palestras e debates tendo como tema a segurança individual e a
evitação de violência anti-homossexual. Cartazes e folhetos
devem ser distribuídos nas áreas mais frequentadas da cena
gay, indicando quais os locais de pegação e engate que
oferecem maior risco de violência. Fotos de conhecidos e
costumazes agressores ou exploradores de gays e de assassinos
foragidos devem igualmente ser distribuídas e afixadas nos
locais de maior visibilidade, como forma de
evitar futuras vítimas, sempre com
o telefone e endereço do grupo gay ou de direitos
humanos, a fim de receber denúncias de novos casos de agressão,
extorsão ou violência anti-homossexual.
Este
material educativo e instrucional deve visar não só a
autodefesa e reforço da cidadania dos gays, travestis e lésbicas,
mas também a sociedade global, sensibilizando a todos para
apoiar os direitos humanos e cidadania dos homossexuais. Os
donos e gerentes das pensões e motéis mais frequentados por
casais do mesmo sexo devem igualmente ser advertidos para
precaver-se a fim de que seus estabelecimentos comerciais sejam
palco de assassinatos, exigindo documentos dos frequentadores,
dirigindo-se ao quarto no caso de se ouvir algum grito ou
conduta suspeita, chamando a polícia quando houver agressões
ou qualquer violência anti-homossexual.
Por
meio das tabelas anuais do dossiê temos o perfil das categorias
de homossexuais mais expostos a crimes homofóbicos, assim como
o modus operandi mais
praticado pelos delinquentes: com base em tais dados, o grupo
homossexual deve concentrar sua preocupação especialmente em
alertar e transmitir a essas categorias mais vulneráveis, como
evitar situações de risco e sobrevivência face a esta
verdadeira guerra que já dizimou tantos e tantos cabeleireiros,
profissionais do sexo – os dois grupos mais vitimizados no
Brasil pelos crimes homofóbicos.
Ainda
com o intuito de dar maior visibilidade pública à gravidade da
homofobia e sensibilizar a população homossexual, uma outra
medida pode ser implementada: a realização de atos públicos e
manifestações em frente ao Fórum ou às Delegacias por ocasião
da prisão ou julgamento de assassinos de gays, travestis ou lésbicas.
Meia dúzia de pessoas segurando uma ou duas faixas e cartazes
com palavras de ordem clamando por justiça, denunciando a violência
anti-homossexual já são suficientes para chamar a atenção
das autoridades e dar boas fotos para os jornais e televisões,
contribuindo para conferir respeitabilidade ao movimento
homossexual e pressionar favoravelmente por nossa causa. A
realização da missa de sétimo dia, a concentração de
ativistas com velas acesas no local do crime, com participação
dos familiares da vítima e simpatizantes de outras ONGs também
são estratagemas que dão visibilidade e reforçam nossa luta
pelos direitos humanos.
|