
Condenação
de um Herege
Impentitente e não Relapso
Directorium
Inquisitorum
Trata-se
de alguém que foi denunciado e confessa tudo, mas que não se
considera culpado de heresia, e não abjura. É um herege
impenitente, e não um relapso. É aquele que confessa sua crença
em mandamentos heréticos, e que, informado pelo bispo e pelo
inquisidor sobre o caráter herético de suas crenças, não quer
acreditar no que dizem, e continua a defender, diante deles, suas
próprias convicções heréticas: recusa-se a abjurá-las, negá-las
e rejeitá-las. Se não se conseguir saber se, no passado, já
abjurou outra heresia ou erro, trata-se de um herege impenitente,
e não de um relapso.
Este
tipo de gente que é denunciada é mandada para uma prisão inviolável,
com algemas nos pés, bem trancafiados, para que não possam fugir
e contagiar outros fiéis. Não poderão receber visitas nem falar
com ninguém, só com os guardas, que serão homens de uma grande
idoneidade, acima de qualquer suspeita em matéria de fé, homens
impossíveis de enganar. [...]
Se
o réu se recusar, ainda, a se converter, não se terá pressa em
entregá-lo ao braço secular, mesmo se o herege pedir para ser
entregue: porque, com frequência, este tipo de herege pede a
fogueira, convencido de que, se for condenado à fogueira, morrerá
como mártir e subirá logo aos céus. Trata-se de
hereges fervorosíssimos, profundamente convictos da sua verdade.
Então, não se deve ter pressa com eles. Não se trata, é claro,
de ceder à sua insensata vontade. Ao contrário, serão
trancafiados durante seis meses ou um ano, numa prisão horrével
e escura, pois o flagelo da cadeia e as humilhações constantes
costumam acordar a inteligência [...]
Porém,
se o inquisidor mais o bispo nada conseguirem, nem com rigidez nem
com delicadezas, quando passar um período de tempo razoável, irão
se dispor a entregá-lo ao braço secular [...]
O
herege é excomungado e impedido do sacramento da penitência. A
sentença termina assim:
"Porque não quiseste, e não queres abandonar os teus erros,
preferindo a condenação e a morte eternas à abjuração e ao
retorno ao seio da Igreja e à salvação da alma, nós te
excomungamos e te afastamos do rebanho do Senhor e te proibimos de
qualquer participação na Igreja, nesta Igreja que tudo fez para
te converter, e que não dispõe de nenhum outro meio para
fazê-lo. Nós, bispo e inquisidor, na qualidade de juízes no que
compete à fé, com assento neste Tribunal ... etc.
Hoje,
no horário e no local que te foram determinados para ouvires
nossa sentença definitiva, condenamos-te e decretamos,
judicialmente, que és realmente herege impenitente e, como tal,
te entregamos e abandonamos ao braço secular.
E,
da mesma maneira que, através desta sentença, te excluímos da
esfera eclesiástica, e te entregamos ao braço secular e aos seus
poderes, da mesma forma pedimos a esta Cúria Secular para não
chegar, na sua própria sentença, ao derramamento de teu sangue e
à pena de morte".
[...]
Finalmente, por que esse pedido à Cúria Secular para evitar o
derramamento de sangue e a pena de morte? Para que esta recomendação,
em total desacordo com o conjunto de textos e com as advertências
explícitas feitas ao herege impenitente que "corre o risco
de perder a alma e o corpo"? Simplesmente, para que o
inquisidor não caia numa irregularidade, caso não livre a Cúria
Inquisidorial da própria execução da pena capital.
Le
Manuel des Inquisiteurs, Manaual dos Inquisidores (Directorium
Inquisitorum), Nicolau Eymerich, 1376 revisto por Fco. de La Peña,
1578. Traduzido para o francês em 1973 por Louis Sala-Moulins.
|