Educando
para a Cidadania
Os
Direitos Humanos no Currículo Escolar

EDUCAÇÃO FÍSICA E CIDADANIA
O professor de Educação Física
encontra pela frente muitos desafios em seu trabalho e no abrangente
campo de atuação por que passa sua atuação profissional. Apesar de
acumular experiências, principalmente no início de carreira, em
vários setores (normalmente o privado), com clubes, academias, jardins
de infância e firmas, entre outros, acaba definindo seu vínculo
profissional em um colégio de 1º ou 2º grau da rede estadual ou
municipal de ensino, ou então na rede particular.
No setor da Educação básica
(Educação Infantil, Fundamental e Média) é que se encontram a
maioria das matrículas de crianças e adolescentes, ávidos por
receberem os ensinamentos de seus mestres, concretizando, quem sabe, o
sonho de aprender a ler, escrever, falar, descobrir os sentimentos de
emoção, da paixão, da amizade, do medo, da tristeza, enfim, tudo o
que o dia-a-dia da escola pode lhe oferecer.
Os mestres, dentro desse “espaço”
chamado escola, possuem uma parcela significativa da responsabilidade na
relação professor-aluno, que é capaz de cristalizar a atuação do
professor e marcar na memória da infância dias inesquecíveis pelos
alunos ao longo do tempo.
Estarão os professores preparados para
executar tarefa humana tão fundamental na sociedade brasileira atual?
Ou melhor, estará o curso superior, que os habilita através de suas
cadeiras, aptos a fornecer toda a gama necessária de ensinamentos,
tendo em vista a formação de professores inseridos no contexto atual?
Estarão as disciplinas inseridas neste contexto?
Queremos chamar a atenção para os
ajustes que se fazem necessários aos currículos das Escolas Superiores
de Educação Física. Reconhecemos a importância de estar contemplada
no currículo a história da Educação Física, mas contestamos a
excessiva ênfase dedicada a esse aspecto, que aborda,
preferencialmente, a Educação Física sob a ótica militar e como
fator de Segurança nacional.
Sabemos que as forças militares muito
contribuíram para a evolução da Educação Física, através dos
ensinamentos e divulgação dos seus métodos e da formação de um
número significativo de professores na Escola Superior de Educação
Física do Exército. Porém, é preciso priorizar matérias
humanísticas nos currículos das ESEFS, para que tornem o professor
apto a atender a demanda dos anseios dos alunos que freqüentam,
principalmente, o 1º e o 2º graus.
É um direito do acadêmico de Educação
Física ter um curso superior que o habilite a trabalhar com uma
realidade social carente e que sua ação contemple aspectos
fundamentais do processo ensino-aprendizagem, tornando-o eficaz no
sentido de alcançar a segurança interdisciplinar, capazes de
sensibilizar o professor para as necessidades e a importância dos
setores populares, dos moradores na periferia das cidades, nas vilas,
nos bairros, de forma que possam aprender a exercitar-se coletivamente,
em dinâmica espontânea ou dirigida.
A exclusão das camadas pobres da
população do acesso à prática de esportes e também da iniciativa
privada, mesmo que de maneira assistencial, a programar atividades
coletivas de recreação, tais como: Rua de Lazer, Ginástica na Praia,
no Parque, na Praça, Passeio Ciclístico, Rústicas, etc.
Também os setores discriminados da
sociedade, como os idosos e os deficientes físicos, já demonstraram,
tanto no âmbito pessoal como no coletivo, a vontade de buscar no lazer
e esporte a reintegração social necessária, que pode e deve ser
alcançada fora das instituições escolares.
O professor de Educação Física, nestas
ocasiões, torna-se referência para as pessoas diretamente envolvidas.
Ele precisará ser capaz de dirigir e motivar o público para usufruir
todo o direito de lazer, mesmo num período reduzido de tempo em final
de semana. Reciclar a prática de Educação Física, colocando-a a
serviço do campo social, é o fato novo a que cursos e professores
devem estar atentos, buscando incluí-los nos seus programas.
Os operários, inseridos no mercado de
trabalho formal nos vários segmentos da indústria, do comércio e
outros e que, sob a influência da automação, passam a ter uma vida
sedentária, com poucos movimentos naturais do corpo, como caminhar,
saltar, transportar, etc., não exercitam-se no local de trabalho r fora
dele por absoluta falta de oportunidade.
Na integração pedagógica escolar, o
professor deve utilizar as aulas de Educação Física como um momento
privilegiado de adaptação dos alunos à escola. Mesmo nos períodos de
férias e recesso escolar, interrompe-se o andamento das relações
correntes entre os alunos. muitos deles, ao retornarem, precisam de um
outro tempo de adaptação à rotina escolar. Algumas são reprovadas ou
trocadas de turma e, por conseqüência, encontram outros grupos de
colegas, precisando criar ou refazer laços de amizade.
A realidade, infelizmente, por absoluta
falta de lucidez de governos que não investem em educação, submete as
escolas a sucessivas greves, ano após ano, e de longa duração. Isto
faz com que as relações interpessoais, que vinham sendo trabalhadas na
solidificação e abrangência, sejam mais uma vez prejudicadas com o
afastamento dos alunos do seu convívio diário. Ao término das
paralisações é necessária uma retomada de todo o processo.
Um país de dimensões continentais como
o Brasil, mergulhado na mais profunda crise econômica de sua história,
sem justiça agrária ou urbana, em processo recessivo, com falta de
moradias, alto índice de desemprego e arrocho salarial, ao desamparar
os aspectos sociais, atinge diretamente a estabilidade das famílias de
menor poder aquisitivo. Isto faz com que as pessoas, constantemente,
tenham que mudar de residência, para bairros mais distantes, outras
cidades e até outros estados. A crise social é também fator de
ruptura nas relações entre as crianças e jovens, que deixam nas
escolas seus amigos e partem. Por força das circunstâncias, são
obrigados a fazer novas amizades, sem saber por quanto tempo, pois a
instabilidade econômica pode forçá-los novamente, a qualquer momento,
a uma mudança indesejada.
É nas aulas de Educação Física que se
encontram os melhores momentos para proporcionar, de forma livre e
descontraída, a adaptação do aluno à escola e à comunidade. Na nova
escola ou nos períodos que reiniciam, é necessária a integração do
aluno à nova turma de colegas.
Atividades físicas que propiciam a
integração são de fundamental importância. Exercícios físicos
coletivos são um triunfo que o professor deve trabalhar, em
contraposição ao individualismo, à competição e ao egoísmo. O
desporto coletivo, observado as regras, contribui para o hábito de
trabalhar em grupo. É outra forma de envolver os alunos com a
cooperação e amizade.
A visita a outras escolas, praças ou
outros centros comunitários para disputar uma partida de futebol,
vôlei ou basquete, é uma experiência desafiadora. Receber a equipe
adversária “em sua casa”, ou enfrentar a desvantagem de jogar “fora
de casa”, em local desconhecido, são desafios e experiências com
elevado estímulo socializante para o grupo.
O aprendizado, na prática, das regras
esportivas, o respeito às mesmas e ao árbitro, a saudação à equipe
adversária, o abraço fraterno ao final da disputa, são gestos
solidários que o jovem atleta iniciante jamais esquecerá. A justiça
no esporte prevalece à lei da força.
Não podemos desconsiderar a formação
pessoal que a prática da Educação Física pode desenvolver. Os
hábitos higiênicos, os cuidados com o corpo, o vestuário e a
aparência, nas diversas faixas etárias, são vitais para a saúde.
As atividades ao ar livre e o contato com
a natureza estimulam naturalmente o zelo pelas plantas e animais,
adquirindo o sentido ecológico de preservar e ser solidário.
O Educador precisa explicitar este
compromisso com a vida, não se atendo ao mero tecnicismo, mas
refletindo sobre esse contato espontâneo com o meio natural. Por
exemplo: os passeios, caminhadas, escaladas significam uma possibilidade
de desbravar o ambiente, descortinar novos horizontes, de percebê-los
harmoniosos ou não no contexto, comprometendo-se com sua preservação
e utilização socialmente correta. Experiências como esta
proporcionarão situações de aprendizado e solidariedade grupal.
A necessidade de adaptação, da
integração e da formação pessoal contribui para que o aluno, de
forma lúcida, assimile, interiorize e internalize as habilidades
mentais e físicas do currículo, principalmente nas séries iniciais.
É um direito do mesmo ter um professor de Educação Física,
habilitado em curso superior, voltado
e adaptado à realidade social e educacional brasileira. O projeto
que cria uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Física (FDB)
propõe, no seu artigo 36, a Educação Física como componente
curricular obrigatório na educação básica, integrada à proposta
pedagógica da escola.
Porém, nossa disciplina é pouco
explorada, apesar de possuir, embutida em seus métodos, toda uma
criatividade natural e tangente à integração pedagógica com os
conteúdos e habilidades mentais desenvolvidos em outras disciplinas.
Citemos um exemplo, para ilustrar: na matemática, no momento em que se
trabalha com o tema “conjuntos”, a Educação Física pode, através
de exercícios concretos, auxiliar na memorização do conteúdo e
relacionar com os alunos o trabalho desenvolvido em sala de aula.
Sabemos, no entanto, que há,
historicamente, um certo preconceito para com a disciplina Educação
Física. No entender de muitos, essa seria uma atividade educativa
diferenciada do conjunto das demais disciplinas, especialmente no que
toca a formação intelectual dos alunos. trata-se como algo alheio ao
processo normal de ensino-aprendizagem.
A consagração em leis dos direitos
públicos, estendidos para toda a população, só terá alguma
conseqüência se forem atendidas as necessidades básicas em questão.
Na educação, tanto na escola pública como na privada, o excessivo
número de alunos em sala de aula prejudica qualquer tipo de ensino que
pretenda ser de boa qualidade. É comum nas aulas práticas de
Educação Física a junção de turmas para ocuparem o mesmo período
de aula, sobrecarregando ainda mais o trabalho de um único professor.
Exemplo: juntar uma turma de 35 alunos, da 5ª série, com outra de 35
alunos de outra série.
Outro agravante são as precárias
instalações físicas e o pouco espaço disponível para as aulas.
Normalmente, são áreas sem coberturas, com calçamento inadequado ou,
então, áreas totalmente fechadas e calçadas, sem ventilação
suficiente e com falta de contato mínimo em relação ao ambiente
natural. A maioria dos estabelecimentos de ensino não oferecem as
mínimas condições, em se tratando de local adequado, à prática de
educação física. Isto estende-se ao material utilizado: bolas em
pouca quantidade e de baixa qualidade; comumente, uma só rede para
durar vários anos; aparelhos para ginástica que raramente existem;
colchões faltando na maioria das escolas; quadras (às vezes existem
até mais de uma) sem cercados apropriados e sem marcação; ginásios
de esportes mal iluminados e depredados; piscina... nem pensar, etc.
O uniforme, os materiais, os locais
motivam ou afastam as crianças do desenvolvimento de suas habilidades
físicas na escola.
O excessivo número de alunos,
distribuídos em uma área com poucos metros quadrados, materiais
insuficientes e inadequados são elementos que ferem o direito
constitucional de pleno desenvolvimento da pessoa e não garantem o
padrão de qualidade esperado do ensino. Não custa relembrar que é um
direito do aluno ter Escola Pública de boa qualidade.
No ensino superior, a Educação Física
praticamente inexiste. Os alunos enfrentam todo tipo de contratempo para
poderem se manter nos estudos e concluir o curso. Problemas de moradia,
transporte, bolsa de estudo, biblioteca, horários, turnos, vagas, etc.
é constrangedor para a juventude brasileira! Para não nos alongarmos,
não vamos agora analisar os problemas por que passam os alunos de 3º
grau. As instituições de ensino superior pouco propiciam aos seus
alunos, no que se refere a atividades físicas coletivas ou individuais
no Campus Universitário. Todas as universidades deveriam ter ginásio
para a prática de esportes, campos de futebol, pistas de atletismo,
parque aquático, vestiários, enfim, toda a aparelhagem necessária
para propiciar momentos de descontração e oportunidades de
aperfeiçoar a atividade esportiva preferida do aluno, assim como elevar
o nível técnico de qualquer esporte de competição.
Oportunizar práticas de esportes no
horário escolar de 3º grau, em horários extraclasse, beneficiaria os
acadêmicos, proporcionando horas necessárias de lazer e
entretenimento, dando oportunidade, em se tratando de esportes para
jovens e adultos, de competirem com torneios e jogos universitários. É
direito do universitário ter um campus esportivo ao seu alcance, para
ser utilizado em qualquer circunstância.
Outra camada da juventude desprovida da
prática da Educação Física são os alunos trabalhadores que
freqüentam os cursos noturnos. A dispensa da prática desta disciplina,
porque o aluno trabalha durante o dia, é muito comum nos colégios. Os
problemas que afetam a falta de qualidade no ensino escolar não motivam
estes alunos a se organizarem e reivindicarem uma participação mais
efetiva em aulas de Educação Física à noite, no próprio horário de
aula, ou nos fins-de-semana. É um contingente significativo de jovens e
adolescentes que perdem a oportunidade de ter os ensinamentos que estas
aulas podem proporcionar. Achamos ser prioridade, tanto para a
motivação como para a integração, que exista um horário à noite
para a prática opcional. É direito do aluno trabalhador ter escola
público com funcionamento noturno e de qualidade.
Os problemas estruturais, que a maioria
da população vive, transformam a realidade do dia-a-dia das pessoas
num sobreviver cruel e injusto. Apesar do altíssimo índice de
analfabetos no Brasil e de todas as lutas que os trabalhadores em
educação desenvolveram nos últimos anos para exigir mais verbas para
a educação, ensino público gratuito e escola público de boa
qualidade, a educação é tratada na base da demagogia. É priorizada
nos discursos de campanha eleitoral e sucateada por partidos no poder,
descompromissados com o pleno desenvolvimento social.
A fome e a miséria transmutam nossas
crianças desde as idades mais tenras. Como querer trabalhar o corpo, se
os alunos estão nas escolas apenas porque lhes é garantida a merenda
escolar? Nenhuma política educacional produzirá resultados se aplicada
a crianças para quem a saúde e o alimento são negados. A
desnutrição está presente na escola. Os educadores de escolas
públicas convivem com ela todos os dias. Por outro lado, a própria
qualidade da nutrição é questionada, tendo aí o professor de
Educação Física a oportunidade de trabalhar em caráter
interdisciplinar, por exemplo, com as Ciências Biológicas na
conscientização dos educandos sobre hábitos alimentares, composição
dos alimentos, da água, das bebidas consumidas...
ESPORTE AMADOR: em 1992, tivemos mais uma
Olimpíada Mundial, com sede no 1º mundo; Espanha, Europa. É
decepcionante o resultado da participação dos países sul-americanos,
apesar do Brasil, historicamente, ter equipes competentes em quase todos
os jogos, nos diversos esportes praticados. Fica a dúvida: quem são os
brasileiros que podem praticar esportes de competição? Somente os
filhos da classe social mais abastada, que dispõem de todos os recursos
físicos, materiais e culturais, mantidos por investimentos do e no
setor privado, em detrimento da área pública. Os locais públicos nos
quais se pode praticar esportes não oferecem condições de desenvolver
um trabalho técnico de competição. Somente nos clubes privados, onde
poucos tem acesso, melhoram um pouco as condições.
A etilização do esporte, principalmente
o amador, impede que as crianças o pratiquem com dedicação, na
especialização e na aquisição de experiência, competindo assim com
o mesmo nível técnico de outros países.
A falta de oportunidade para praticar
esporte, realidade da maior parte da juventude brasileira, ajuda a
conduzi-la a um estado de vulnerabilidade e marginalidade. O acesso às
drogas e o ingresso precoce no mercado de trabalho como mão-de-obra
barata é destino de milhões de adolescentes. A Educação Física tem
uma contribuição importante para evitar esta situação, mas é
preciso que seus professores saibam refletir à luz dos grandes
condicionantes sócio-político-econômicos. Não podemos esquecer que,
se a não expressão sadia do corpo impede a socialização do
indivíduo, as políticas sociais restringindo a plena capacitação
motora, a prática real do aborto desassistido, o alto índice de
mortalidade infantil, a subnutrição, a calamitosa situação da
previdência e a marginalização do idoso desnudam a cruel realidade
brasileira e clamam pela ação de todos nós.
Ao nível dos governos, faz-se
necessário priorizar de fato a educação, com urgência e sem
demagogia. Ao nosso nível, de cidadãos-professores, encontrar o elo
entre o que fazemos e a formação da consciência de nossos
cidadãos-alunos.
João Luiz Stein Steinback
Educador na Escola Estadual Canadá em Viamão, no Colégio Anchieta
em Porto Alegre e Secretário Geral do Sindicato dos Professores
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