
Período Pré-1964
Em sentido lato,
pode-se afirmar que todas as lutas pela afirmação da dignidade humana
e da cidadania e pela superação das injustiças sociais no Brasil, no
longo período pré-1964, foram lutas de afirmação dos direitos
humanos.
Incluem-se, nessa
conceituação, lato sensu, desde a resistência dos povos indígenas à
destruição do seu ser, do seu poder e do seu saber por parte dos
conquistadores europeus, até a luta armada dos negros, nos quilombos
(como ocorreu em Palmares, sob a liderança de Zumbi), em defesa de sua
identidade e liberdade.
Podem também ser
chamadas de lutas pelos direitos humanos as revoltas populares contra vários
tipos de opressão por parte do Estado e das elites dominantes, em cada
época histórica. Entram nesse rol as iniciativas de resistência dos
índios e dos negros, no Brasil colonial. Quanto aos primeiros, observa
Bóris Fausto: “Os índios que se submeteram ou foram submetidos
sofreram a violência cultural, as epidemias e mortes. Do contato com o
europeu resultou uma população mestiça, que mostra, até hoje, sua
presença silenciosa na formação da sociedade brasileira. Uma forma
excepcional de resistência dos índios consistiu no isolamento, alcançado
através de contínuos deslocamentos para regiões cada vez mais pobres.
Em limites muito estreitos, esse recurso permitiu a preservação de uma
herança biológica, social e cultural. Mas, no conjunto, a palavra
“catástrofe” é mesmo a mais adequada para designar o destino da
população ameríndia. Milhões de índios viviam no Brasil na época
da conquista e apenas cerca de 250 mil existem nos dias de hoje”.
A respeito dos
negros, afirma o mesmo renomado historiador: “Seria errôneo pensar
que, enquanto os índios se opuseram à escravidão, os negros a
aceitaram passivamente. Fugas individuais ou em massa, agressões contra
senhores, resistência cotidiana fizeram parte das relações entre
senhores e escravos, desde os primeiros tempos. Os quilombos, ou seja,
estabelecimentos de negros que escapavam à escravidão pela fuga e
recompunham no Brasil formas de organização social semelhantes às
africanas, existiram às centenas no Brasil colonial. Palmares - uma
rede de povoados situada em uma região que hoje corresponde em parte ao
Estado de Alagoas, com vários milhares de habitantes - foi um desses
quilombos e certamente o mais importante. Formado no início do século
XVII, resistiu aos ataques de portugueses e holandeses por quase cem
anos, vindo a sucumbir, em 1695, às tropas sob o comando do bandeirante
Domingos Jorge Velho”.
Ideais de liberdade e
justiça social estiveram presentes nos movimentos de rebeldia como a
Inconfidência Mineira (1789), a Conjuração dos Alfaiates (1798) e a
Revolução Pernambucana de 1817, assim como nas revoltas provinciais,
como a Cabanagem, no Pará (1835-1840), a Guerra dos Cabanos, em
Pernambuco (1832-1835), a Sabinada, na Bahia (1837-1838), a Balaiada, no
Maranhão (1838-1840) e a Guerra dos Farrapos ou Farroupilhas, no Rio
Grande do Sul (1836-1845).Mais tarde, o movimento contra a abolição da
escravatura representou mais um momento em favor da modernização da
sociedade brasileira.
No início da República,
a saga de Antônio Conselheiro, em Canudos, no sertão da Bahia, durante
quatro anos (1893-1897), também é assinalada como um marco de rebeldia
e de busca da utopia de uma vida comunitária, justa e fraterna, ideal
esse entremeado com a luta anti-republicana e com o sonho da volta da
monarquia.
O substrato histórico
da luta pelos direitos humanos no Brasil pode igualmente ser encontrado,
ainda na Primeira República, na incipiente organização da classe
trabalhadora, enquanto tal, em um contexto de profundas mudanças econômicas.
Para isto, contribuíram decisivamente os anarquistas utópicos e os
anarco-sindicalistas, inspirados em Saint-Simon, Fourier e noutros
pensadores/militantes europeus.
Ainda antes que as Nações
Unidas proclamassem a Carta e a Declaração dos Direitos Humanos, as
lutas sociais convergentes com esses direitos, em sentido lato, foram-se
acumulando no Brasil. Um outro momento fundamental foi a resistência ao
arbítrio do Estado Novo getulista, tão bem retratada, por exemplo, na
obra de Graciliano Ramos (“Memórias do Cárcere” e outros textos).
Antes mesmo de 1964, o regime getulista já reprimira duramente os
movimentos populares e as correntes de esquerda, na última parte dos
anos 30.
O período democrático
entre 1945 e 1964 foi marcado por um acúmulo organizativo por parte dos
movimentos sociais e sindicais. Nacional-desenvolvimentismo e populismo,
tentativas de golpes militares, organização política e sindical
progressiva dos trabalhadores rurais, greves urbanas, luta por reformas
de base, tudo isto resume e simboliza essa fase de transformações
significativas no Brasil.
Nesse contexto, vão
sendo implementados, na prática, através de um processo de conquista
de espaços políticos, os direitos sociais e econômicos, políticos e
culturais. O golpe militar de 1964, respaldado por elites civis,
significa uma interrupção autoritária desse processo e marca uma nova
etapa na luta pelos direitos humanos no Brasil.
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