
Carta Aberta
Antonin Artaud
Abandonai as
cavernas do ser. Vinde o espírito se revigora fora do espírito. Já é
hora de deixar vossas moradas.
Cedei ao Omni-Pensamento. O
Maravilhoso está na raiz do espírito. Nós estamos dentro do
espírito, no interior da cabeça. Idéias, lógica, ordem, Verdade (com
V maiúscula), Razão: tudo isso oferecemos ao nada da morte. Cuidado
com vossas lógicas, senhores, cuidado com vossas lógicas; não
imaginais, até onde pode nos levar nosso ódio à lógica.
A vida, em sua fisionomia chamada
real, só se pode determinar mediante um afastamento da vida, mediante
uma suspensão imposta ao espírito; porém a realidade não está aí.
Não venham pois, enfastiar em espírito a nós que apontamos para certa
realidade supra-real, a nós que há muito tempo não nos consideramos
do presente e somos para nós como nossas sombras reais.
Aquele que nos julga ainda não
nasceu para o espírito, para este espírito a que nos referimos e que
está, para nós, fora do que vós chamais espírito. Não chamem
demasiado nossa atenção para as cadeias que nos unem à imbecilidade
petrificante do espírito. Nós apanhamos uma nova besta.
Os céus respondem a nossa atitude
de absurdo insensato. O hábito que tendes todos vós de dar às costas
às perguntas não impedirá que os céus se abram no dia estabelecido,
e que uma nova linguagem se instale no meio de vossas imbecis
transações. Queremos dizer: das transações imbecis de vossos
pensamentos.
Existem signos no Pensamento.
Nossa atitude de absurdo e de morte é da maior receptividade. Através
das fendas de uma realidade em frente não viável, fala um mundo
voluntariamente sibilino.
ARTAUD, Antonin. Cartas aos
Poderes. Porto Alegre: Editorial Villa
Martha, 1979. (Coleção Surrealistas - Vol. 1) |